O Blog é sobre Triathlon.
Mas, o Surf me levou ao Triathlon.
E minha experiência com o marzão sempre me proporcionou
uma certa nivelada com alguns bons nadadores de piscina.
Então, hoje vai uma história de Surf.
Era uma vez um Surfista que....
Bom, era eu mesmo.
Trampando ainda como office boy (imaginem quanto tempo faz), na mesma empresa em que
labutei por 45 anos até me aposentar, chegou a época das festas de final de
ano, sendo que, nas vésperas de Natal e Ano Novo, o expediente se encerrava ao
meio-dia.
Depois, havia uma festinha dentro da empresa, pra
quem quisesse ficar.
Salgadinhos, refris, cervejas para os funcionários,
além de outras bebidas mais requintadas para o alto escalão. Tudo na faixa.
No ano anterior, havia me empapuçado daquelas iguarias
que não eram comuns em minha vida.
Nesse ano, creio que com 15 ou 16 anos, já sabia
que não "poderia" ficar na festinha. Não por falta de vontade de me
empapuçar novamente.
É que, nesse ano, a véspera do Natal caiu numa segunda-feira.
Mas, no domingo, com a nossa galera no Itararé (na
verdade a Divisa, ali ao lado da Ilha Urubuqueçaba),
surfamos umas ondas pequenas, médias e grandes... e fizemos planos para o dia
seguinte.
Estava entrando uma daquelas ressacas de verão, sem
nenhuma virada de tempo.
Não tínhamos acesso a
nenhuma informação sobre ondulações.
Muito menos entendíamos como
o mar poderia virar daquele jeito, sem que o tempo mudasse radicalmente.
Mas, sabíamos que o dia
seguinte seria de ondulação enorme.
A galera...
Era composta por gente de "pouca
expressão", como Picuruta e seus irmãos Almir e Lequinho, Cisco, Bolina,
Molina, Akira e outros feras.
Os não-feras éramos nós...
Hamilton, Tatu, Pato Rôco e eu, além de mais outros.
Bom...
Final de domingo, combinamos de surfar na segunda-feira.
Eu iria após o trampo, ou seja, à tarde.
Estava eufórico...
Pelo fato de poder Surfar em
plena segundona e por estar com a minha primeira prancha própria (toda furada,
pesando uns 15 kg, mas era minha), depois de tanto tempo aprendendo a surfar
com pranchas alheias, após ficar na areia por horas esperando alguém sair do
mar para me emprestar.
E também para me atirar nas
maiores da série.
Não surfava bosta nenhuma,
se comparado com os feras.
Mas era atirado o
suficiente.
Moleque não tem noção do
perigo.
Comunicação na segunda-feira: ZERO.
Não havia celular.
Na empresa, não permitiam
atender ligações particulares, a não ser por alguma emergência.
Assim sendo, combinado era
combinado.
As distâncias e a ansiedade...
Logo, ia sair do trampo,
voar pra casa, ingerir qualquer coisa leve (tipo pão com alguma coisa) e pegar
minha prancha pra correr, literalmente, até a Divisa, encontrar a galera e
pegar aquelas ondas.
Morava no Macuco.
Saí vazado do trampo e
peguei o Circular 91, que ia pelo cais do porto até a Av. Senador Dantas.
Desci e fiz como programado.
Saí com a prancha (sem
cordinha, pois na época existiam apenas protótipos desse apetrecho) e fui
caminhando rápido e correndo pelas ruas internas, cortando caminho, de modo que
não vi a praia em momento algum, até sair no Orquidário.
Grata coincidência, hoje
resido em frente ao Orquidário.
Pequena explicação, para quem não mora
em Santos.
A Divisa mencionada é a
divisa de Santos com São Vicente, na orla da praia.
O Macuco é um bairro
afastado da praia, mesmo em linha reta, o que permite imaginar a distância até
a Divisa.
Naquela época, ainda não
existia o "Píer", denominação errada para o Quebra-Mar, que virou
parte da paisagem de Santos.
Naquela época, Santos se
interligava com São Vicente pelas praias, sem nenhuma intersecção.
Recentemente, vendo Surfistas
pegando ondas no Quebra-Mar, ouvi um adolescente dizer para o outro que Santos
era abençoado por ter essa "característica natural" (o Quebra-Mar).
Acabei intervindo e explicando
que aquilo não era uma obra de Deus, mas sim uma intervenção urbana.
Não me acreditaram. rsrsrs.
O Marzão...
Voltando...
Cheguei finalmente à Divisa
e vi um dos maiores mares que já tinha visto.
A arrebentação muito lá
atrás, inclusive muito para trás da Ilha Urubuqueçaba.
Fiquei um pouco na areia,
vendo se a galera já estava lá dentro, pois, nas areias não havia ninguém.
Daí, míope que eu era
(operei a miopia depois de muitos anos), via algumas coisas passando pelas
séries, muito lá atrás.
Imaginei que fosse a galera
já pegando as maiores das séries.
A Situação...
Peguei a prancha e simplesmente
entrei pelo canto da Ilha.
Remei por mais de uma
hora, até chegar lá atrás e constatar que a galera não estava lá.
Apenas eu estava lá.
E que aquilo, que eu
imaginava ser a galera, eram troncos, sujeiras, enfim...
Véios!
Acho que vocês não sabem o
que é medo.
Medo não, pavor.
Eu lá, sozinho, achando que iria
encontrar a galera.
Sim, porque quando a gente
encontra a galera, mesmo no maior perrengue, sabe que não está sozinho.
O Perrengue...
Resumo da ópera, o mar
estava tão grande, mas tão grande, que, mesmo atirado que eu era, não tinha
coragem de remar para alguma onda.
Remava para a praia, pra
tentar pegar uma onda menor e sair.
Olhava para o fundo e via
uma série entrando.
Então, remava para o fundo,
pra não tomar aquela série na cabeça.
E assim o tempo foi passando
e o medo aumentando.
Quando dei por mim, já
estava começando a anoitecer.
Olhei para a praia e eu
estava literalmente de frente para a Ilha Urubuqueçaba.
Nunca tinha reparado
naquelas pedras.
Lindas. Tem um triângulo
perfeito.
E o instinto de
sobrevivência gritando:
Seu fdp !!!
Vaza daí !!!
E rema pra frente, rema pra
trás.
Dez, quinze, vinte vezes.
Comecei a conversar com os
troncos, arbustos, sujeiras.
Daí, vi as luzes da avenida
da praia se acenderem.
Pensei: ou é agora, ou é
agora.
Já não dava mais para ver muito
bem onde e como entravam as séries.
Nesse momento, o ateu vira
carola.
Olhei pro céu e roguei a
Deus.
As fotos abaixo ilustram mais ou menos a situação.
São imagens de 2020, e sem o Marzão daqueles momentos...
(Clique nas imagens para ver em tamanho maior. Use Esc para retornar.)
As fotos abaixo ilustram mais ou menos a situação.
São imagens de 2020, e sem o Marzão daqueles momentos...
(Clique nas imagens para ver em tamanho maior. Use Esc para retornar.)
A Saída...
Vi uma coisa escura vindo em
minha direção.
Não era pequena, mas não era
tão grande quanto as ondas das séries.
Só sei que remei como nunca,
mesmo sabendo que estava praticamente em frente às pedras da parte de trás da
Ilha.
Consegui entrar nessa onda.
Dropei (descer e fazer a
virada na base da onda) e botei pra direita, de back side (de costas pra onda).
Na minha memória, hoje me
parece que a onda seria ótima para fazer várias manobras da época, tipo uma
rasgada, um cut-back, ou outra.
Mas, naquele momento, ela só
parecia ser minha salvação.
E fui "cortando" a
onda o tempo todo, sem pensar em fazer qualquer manobra que não fosse para me
livrar das pedras da Ilha.
Graças a Deus, quando dei
por mim novamente, já havia passado pela Ilha.
E ainda faltava bastante pra
chegar à praia, já perto do Canal 1.
Quando notei que a onda iria
fechar toda, virei a prancha para a praia e me deitei nela.
Fui de "jacaré" até
me sentir são e salvo.
O vídeo abaixo, também com imagens de 2020 e sem o Marzão, dá uma idéia do percurso daquele meu ""passeio em torno da Ilha"".
O vídeo abaixo, também com imagens de 2020 e sem o Marzão, dá uma idéia do percurso daquele meu ""passeio em torno da Ilha"".
Respirando aliviado...
Saí do mar e da praia com
uma sensação incrível.
De raiva, pelo fato de a galera
não estar lá, como combinado.
De satisfação, por ter
enfrentado e vencido o medo e a situação.
E de agradecimento, por
tudo.
Depois, soube que a galera havia
tentado, sem sucesso, entrar em contato comigo via Orelhão (aquele telefone
público, espécie em extinção).
Tinham feito uma ótima sessão
de Surf no "Canal 5", inclusive com o Hamilton pegando um belo tubo.
E eu no perrengue. kkk
Hoje em dia, aos meus quase 63 anos, não me
preocupo com o tamanho das ondas. Se houver ondas, vou procurar apenas me
divertir.
Meu período de Super Homem já passou.
Se puder relacionar isso com o Triathlon, digo
apenas que nunca devemos subestimar a Natureza.
E nunca devemos superestimar a nós mesmos.
3AV
Marco Cyrino